Category: Filosofia do vestir

  • O prazer de vestir

    O prazer de vestir

    Semana passada eu comentei de como homens sempre se importaram com a própria aparência, e toquei no assunto de que, apesar do quê dizem, forma nem sempre segue função nas roupas masculinas. Isso é mais uma questão de “contrastando com roupas femininas, roupas masculinas são funcionais“. Mas olhando bem, tem muita coisa no nosso guarda-roupas que não tem nenhuma razão prática, como:

    • Gravatas (obviamente);
    • Lenços de bolso (na maior parte das vezes; alguém pode decidir usar pra limpar o suor — ou pior);
    • Relógios, numa era em que todo mundo anda com celular (se for de bolso então…);
    • Vários acessórios, como colares, pulseiras, anéis, etc.

    E além de peças individuais, tem detalhes e escolhas que fazemos que não são nada práticas. Usar sapatos com sola de couro em algum lugar onde chove com frequência (e ter que carregar galochas por isso), fazer questão de camisas costuradas à mão (sendo que uma máquina poderia ter feito o mesmo trabalho), escolher um forro detalhado e bonito pro seu casaco (sendo que só você vai vê-lo), gravatas de luxo feitas exclusivamente de tecido e sem nenhum enchimento (as chamadas 7 dobras), e por aí vai.

    E mesmo assim fazemos esse tipo de coisa, né? Por quê?

    É algo normal em qualquer hobby masculino: curtir carros antigos pela artisticidade da coisa, pela dedicação de quem fez e pelas formas clássicas. Pegamos gosto pela arte da coisa, pela dedicação e perícia de quem fez. Dá pra explicar de várias formas, mas no fim do dia, é um certo romanticismo.

    A ideia de decidir usar algo que você sabe que não tem utilidade, especialmente se como no caso do forro ou da camisa costurada à mão, que ninguém vai realmente saber, só você. É um prazer de se vestir bem e de cuidar de si mesmo. O prazer de usar algo que foi feito com dedicação, com detalhes especiais

    E não tem nada de errado nisso.

  • Homens sempre se importaram

    Homens sempre se importaram

    De vez em quando fico surpreso que tem muito sujeito que ainda tem aquela noção ultrapassada de que não pode admitir que se importa com a própria aparência, porque isso “não é coisa de homem“. Escuto alguma conversa ou esbarro em algo online e lembro que tem caras que ainda pensam isso.

    Mas sabe de algo irônico? Historicamente, homens sempre se preocuparam mais com a própria aparência do quê mulheres.

    Soa estranho, mas é verdade: estudando a história da indumentária ao redor do mundo¹, você vê por exemplo, que em todas as culturas homens sempre são os primeiros a adotar novas formas de se vestir. Você pode ver isso também hoje em dia em subculturas, que quase sempre são iniciadas por homens e depois adotadas por mulheres.

    Uma das razões disso é o fato de quê homens sempre foram mais propensos a viajar e explorar, e por consequência lidar com pessoas de fora da própria comunidade. Por isso também, transmitir mensagens não verbais sempre foi algo muito importante: eu posso não entender a língua dessa tribo que acabei de conhecer, mas se um dos caras tem um colar de dentes de urso e veste a pele do bicho, algo me diz que é melhor respeitar o sujeito.

    Outra questão é que o quê homens buscam comunicar com suas roupas não é tanto atratividade e beleza (isso tende a ser como mulheres se apresentam), mas mais competência e poder. Se prestar atenção nas roupas de homens de diferentes culturas, notará que grande parte das vezes, elas buscam projetar uma imagem imponente.

    Isso explica a tendência mundial de homens realçarem seus ombros, por exemplo. Desde um kamishimo no período sengoku do Japão, passando por epaulettes nos uniformes militares franceses do século XVII, até chegar nas jaquetas de couro de membros de clubes de moto, todos realçam a massa na parte superior do corpo. Também é a razão de muito do guarda-roupa masculino ter sua origem em roupas militares, de caça ou de trabalho. Dando três exemplos próximos aqui:

    • O famoso trench coat surgiu como um sobretudo militar (o nome é literalmente casaco de trincheira) antes de ser adaptado à vida civil.
    • A jaqueta Norfolk era uma roupa usada em caçadas, mas encontrou um caminho como jaqueta casual na vida urbana.
    • E o jeans, famosamente, surgiu como uma calça para trabalhadores braçais (mineiros e estivadores, primariamente), antes de ser adotado pelo resto da sociedade.

    E ao contrário do que muitos dizem por aí, roupas masculinas não necessariamente eram puramente funcionais também. Procure imagens de armaduras e notará que tem alguns detalhes puramente decorativos, que não servem nenhuma função prática, mas eles comunicam algo. Ou veja quadros da corte francesa do século XVII, e note a opulência.

    Enquanto alguns caras hoje em dia vivem no conforto do século XXI e falam que se importar com a aparência “não é coisa de homem“, os antepassados destes, que muitas vezes mataram e morreram literalmente, tinham uma atitude diferente. Interessante pensar nisso, né?

    ¹ Se quiser conhecer mais, recomendo o livro A História Mundial da Roupa, de Patricia Anawalt.

  • Se tornando referência

    Se tornando referência

    Conversando com um cliente outro dia, entramos num assunto interessante, que era a percepção e a reação de outros homens sobre sua imagem, particularmente como essa reação vai mudando conforme você começa a investir em melhorar.

    Segundo ele contou, no começo do processo de se vestir melhor, os colegas de trabalho e amigos fizeram piada com ele, por abertamente se preocupar com a própria aparência e por estar mudando. Esse é sempre o primeiro estágio, onde outros homens zoam com você por estar mais arrumado.

    Mas depois de algum tempo as brincadeiras pararam e ele percebeu que os outros sujeitos pareciam um pouco intimidados agora. E de repetente estavam se arrumando um pouco mais pra ir trabalhar ou quando iam encontrar com ele. Esse é o segundo estágio, onde o fato de você estar mais arrumado gera um pouco de desconforto, pois os outros homens acabam percebendo que eles estão largados em comparação.

    E aí chegou um ponto em que eles começaram a brincar de novo, mas desta vez era diferente: eles tratavam ele como “o cara do estilo”. Eles faziam piada que ele era o sujeito mais elegante e começaram a pedir conselhos pra ele de como escolher, comprar e combinar roupas. As namoradas dos amigos começaram a pedir pra ele ajudar os companheiros também.

    Escutando a história, eu pensei e ri internamente “Yup. É sempre assim mesmo.”.

    Quando você se destaca, quando começa a melhorar em qualquer coisa na vida, no começo gera um desconforto pra quem te conhece — leva um tempo até as pessoas se adaptarem. Mas passado este tempo, o que acaba acontecendo é que você passa a ser mais respeitado e vira a referência pra quem é do seu convívio.

    E com a sua melhora, você acaba incentivando os outros a melhorar também.

  • Internet e influências estrangeiras

    Internet e influências estrangeiras

    Algo que muitas vezes eu acabo explicando pros homens que me pedem ajuda em melhorar a imagem deles, e que acho que é um ponto importante de lembrarmos, é que as coisas já foram bem piores no Brasil.

    Há uns 13 anos atrás, quando eu realmente comecei a me importar com moda, roupas e estilo, coisas relativamente simples como conseguir um par de sapatos decentes era algo muito difícil — além de caro. Eu lembro do quanto eu tinha que procurar e caçar pra achar um suspensório de botões, ou o fato que eu comecei a fazer gravatas borboleta porque simplesmente não achava nada aqui além daquelas tranqueiras de nó pronto (sério, não use aquilo).

    Mas graças em grande parte à internet, muita gente (eu inclusive) ganhou acesso cada vez maior ao que rolava lá fora, e nisso um ponto de referência de como as coisas poderiam ser melhores. Lentamente o público masculino foi ficando mais educado no assunto e isso criou uma oportunidade a novas marcas, muitas que começaram a vender online — a internet fazendo novamente um papel muito importante aqui.

    Hoje em dia, é comum sujeitos me procurarem, e quando vão mostrar influências e referências do quê querem, geralmente são perfis estrangeiros do Instagram ou vídeos gringos no YouTube. E eu mesmo, quando vou recomendar algo (além deste blog aqui), sempre acabo recomendando material de fora.

    Pode parecer um pouco triste que o homem brasileiro ainda tem que olhar pra fora pra conseguir informação de qualidade,. Mas ao mesmo tempo, o fato que os homens no dia a dia tem o acesso e a noção de buscar algo melhor é um sinal de que a situação está melhorando. E podemos ser otimistas e pensar que mais marcas interessantes vão surgir nessa onda.

  • Renegados

    Renegados

    Pegando rabeira no assunto da semana passada, sobre ser diferente

    Eu estava lendo um pouco sobre Pablo Picasso recentemente, e me deparei com essa foto dele vestindo uma gravata borboleta. Ele muitas vezes preferia usar estas, ou um ascot, ao invés de gravatas convencionais, o quê o diferenciava de outros homens da época. E se você pesquisar sobre homens conhecidos por usar gravatas borboletas, vai ter uma lista de sujeitos como ele, famosos por inovações e por nadar contra a maré, camaradas bem individualistas, que não se importavam nem um pouco de ser diferentes do resto. Verdadeiros renegados do estilo.

    E faz sentido: essa gravata, fora de eventos black tie ou white tie (semi-formal e formal, respectivamente), é vista como uma escolha inusitada. Não errada — importante dizer — mas pouco comum, extravagante e corajosa até. Era a forma destes homens demonstrarem que sim, eles entendiam as regras do jogo, mas também sabiam se destacar dentro destas.

    E assim como um pavão na natureza, o homem que se destaca dessa forma está correndo riscos. Mas sem riscos, sem ganho.