Category: Filosofia do vestir

  • O quê é estar bem vestido?

    O quê é estar bem vestido?

    Muito se fala sobre estar bem vestido: sobre como é importante estar arrumado, como ter uma boa imagem pode te ajudar, etc. Mas raramente alguém define exatamente o quê é estar bem vestido.

    Na concepção de muita gente, estar bem vestido é simplesmente usar roupas mais “chiques“. Comprar coisas caras e de marca, ou pagar um alfaiate/costureira bem caros pra fazer algo. Mas como qualquer evento com celebridades, filmes ou programas de TV rapidamente provam, dinheiro não compra bom gosto.

    Se perguntar a outros, vão responder com o clichê que “estar bem vestido é estar de acordo com a ocasião“. Mas se limitar a isso significa apenas ficar na neutralidade, sem se destacar. Você talvez não esteja mal vestido, mas também não está nada além do medíocre. Além do mais, muitas ocasiões não tem definido muito bem como é a forma adequada de se vestir. Qual é o uniforme para trabalhar numa agência de design, por exemplo?

    E tem a galera que é “conforto acima de tudo“. Isso soa legal, exceto que ninguém vai te respeitar se você estiver com uma camiseta furada e calça de moletom.

    Então temos que pensar mais fundo para definir o quê é estar bem vestido. E pra responder a pergunta, temos que pensar de forma objetiva. Sendo assim…

    Para quê nos vestimos?

    Podemos definir sua meta ao se vestir como sendo “impactar sua vida positivamente”. É a definição adequada, mas… É muito vaga pra nos ajudar, né? Podemos destrinchar de quê formas este impacto pode ocorrer, em 4 áreas principais:

    Impacto social

    Suas roupas comunicam, e podem causar reações específicas nas pessoas do seu âmbito social. Você pode se vestir para chocar, para impressionar, para impôr mais respeito, etc. Grande parte do tempo, essa vai ser a consideração primordial, contanto que não sacrifique (muito) as outras. Humanos são animais sociais, afinal.

    Impacto profissional

    Através da sua imagem, você pode conseguir melhorar sua situação profissional. O velho clichê de “se vestir para o emprego que quer ter” se aplica. Há muita gente que pensa que pelo fato da sociedade estar mais casual isso não tem mais importância, mas é um pensamento equivocado. Você talvez não seja mandado embora do trabalho por não se vestir bem, mas inevitavelmente está abrindo mão de muitas vantagens. É o custo de oportunidade.

    Impacto psicológico (auto-estima)

    Você se veste para se sentir bem consigo. No fim das contas, o resto vai voltar aqui (melhorando outros aspectos da sua vida, melhora também sua autoestima). Isso, porém, não é desculpa pra se vestir de qualquer forma porque “eu me sinto bem assim”. Você tem que pensar a longo prazo: pode até se sentir bem de shorts e camiseta de futebol, mas se comparecer assim numa entrevista de emprego logo vai estar se sentindo bem mal por uma série de outras razões. Por isso as considerações sociais e profissionais vem primeiro.

    Impacto romântico/sexual

    Quem diria, né? (absolutamente todo mundo) A maneira que você se apresenta pode ajudar muito nos seus relacionamentos afetivos, te tornando consideravelmente mais atraente e comunicando certas características específicas. É importante lembrar que isso serve não só pra atrair alguém, mas também para manter essa atração viva. Um erro extremamente comum é a pessoa “largar mão” porque já está namorando ou casou. Isso é um caminho rápido pra tomar uma bota.

    Impacto físico

    Levemente menos importante que o resto, mas também deve ser levado em consideração o impacto que suas roupas causam no seu bem estar físico. É na verdade a razão original para a maior parte das populações humanas se vestirem, exceto para algumas que vivem em ambientes quentes (mas é interessante notar que mesmo essas se adornam). Razão pela qual não é aconselhável andar de preto no meio-dia do verão brasileiro, usar saltos muito altos, cintos apertados quando se tem um problema gastrointestinal, ou pela qual calçados amortecidos (além de feios) não são aconselháveis¹.

    Concluindo

    Parece bastante coisa, mas é mais simples de resolver do quê parece. Como eu disse lá em cima: se vestir bem é se vestir de maneira que impacta sua vida positivamente. Então se pergunte: o quê vai causar melhor impacto social? Profissional? Psicológico? Afetivo? Físico? E seja cauteloso na hora de responder: evite as respostas fáceis, procure referências na vida real.

    Só definindo uma meta você vai conseguir atingi-la.

    ¹ Contra intuitivo, eu sei, mas o uso de calçados amortecidos está diretamente ligado ao aumento de lesões, pois afeta a maneira que você pisa e atrofia a estrutura dos seus pés. Seres humanos andaram e correram em chão de pedra durante uns 10 mil anos antes de inventarem essas coisas. Isso ao menos sugere que não existe a necessidade de usar uma mola nos pés, né?

  • Preciso mesmo?

    Preciso mesmo?

    Muitas vezes, conversando com algum camarada sobre roupas e imagem, rola aquela resistência…

    “Roupa social caiu tanto em desuso, se você não é advogado nem precisa disso.”
    “Um corpo bonito é muito mais importante que se vestir bem.”
    “Eu nem me arrumo tanto e mesmo assim consigo trabalho/namorada/amigos/etc.”

    De fato, não é necessário se vestir bem pra viver, ou até pra ter uma vida boa/bem sucedida.

    Também não é necessário ter um smartphone com acesso à internet pra viver. Mas como facilita a vida, né?

    Essa coisa de “nem preciso…” é um pensamento limitante e redutivo, e na verdade, é só uma expressão do seu medo ou preguiça de mudar. Se formos olhar bem criticamente, só o quê necessitamos é de água e comida para sobreviver. Mas ficar apenas no necessário é uma existência medíocre, né?

    Então não, você não precisa colocar um casaco legal pra encontrar os amigos no bar. Você não precisa de um costume decente pra ir num casamento. Você não tem que comprar meias legais. Você não necessita de um uniforme pessoal. Mas tudo isso é útil, tudo isso facilita sua vida: são vantagens.

    Tudo isso vai te dar paz de espírito pra poder focar em coisas que te importam: suas metas, seus relacionamentos, seus projetos e seu lazer. Você não precisa de uma mão na roda. Mas vai chegar mais rápido com uma.

  • Não combine com sua namorada

    Não combine com sua namorada

    “Uma mulher não deve desempenhar um papel muito grande nas roupas que um homem veste. Homens que aprenderam a combinar padronagens dominaram algo muito importante. Já que uma gravata é uma das melhores formas de autoexpressão que um homem tem, por que sua esposa deveria escolhê-la?”

    Bill Blass

    Estava lendo um dia sobre curiosidades na Coréia do Sul. Descobri que eles gostam muito de churrasco, como nós (até tem a versão deles de panceta), entre outras coisas. Mas aí vi algo… Peculiar.

    Eu descobri que é hábito de muitos casais combinar as roupas pra sair. Saem ambos de camisetas listradas e jeans pregueados com o mesmo modelo de tênis, por exemplo. Ou ambos usando uma camisa branca por baixo do mesmo tipo de sobretudo cor de areia, com calças de alfaiataria cinzas e oxfords nos pés. Esse tipo de coisa.

    Isso não é “bonitinho”. Isso não é “romântico”. Isso é artificial e forçado — dá até aflição de ver.

    E tem gente que faz coisas similares mesmo aqui no Brasil. Não ao extremo (geralmente) sul coreano, mas fazem. Geralmente parte da namorada, e o cara vai na onda. Acabam ambos combinando as cores, ou os dois usando camisas xadrez, ou outra aberração do gênero.

    Então, se a sua namorada sugerir algo assim, lembre-se que você é o namorado dela, não um acessório.

    Não combine cores.
    Não combine detalhes.
    Não combine tecidos.

    Você pode (e muitas vezes deve) acertar o mesmo nível de formalidade. Mas isso deve ser mais determinado pelo ambiente que vão frequentar e pelos seus próprios gostos. Você não deve ser o cara que foi de jeans num casamento, enquanto seu par está com trajes adequados. Da mesma forma, se você estiver de costume e gravata e sua namorada está de moletom, vai ficar bem estranho.

    E meus pêsames aos sul coreanos.

  • O poder da comunidade

    O poder da comunidade

    Há muitos anos atrás, eu gostava muito de jogos de luta. Teve uma renascença no gênero no fim da década 00, e eu comecei a participar de uma das maiores comunidades online de jogos de luta no mundo.

    Previsivelmente, tendo jogado só com alguns amigos e meu irmão quando crescendo, eu não tinha chance contra o povo dessa comunidade. Não importava o jogo, eles varriam o chão comigo. Mas era divertido mesmo assim, tanto pelas poucas vezes em que conseguia vencer, quanto pela galera com quem eu conversava, e também por tudo que eu aprendia.

    Depois de alguns meses participando lá, eu notei algo quando jogava com meus amigos na vida real: eu dominava completamente nossas jogatinas. E não é como se eles não praticassem e não estivessem jogando, a gente levava bem à sério nossa competição e cada um treinava bastante pra ganhar de todo o resto.

    Mas eu tinha algo que eles não tinham: o poder da comunidade a meu favor. Isso me fez aprender e me tornar muito melhor muito mais rápido.

    E isso é algo que se repete em todo tipo de empreitada, ao redor do globo todo, ao longo de toda a história. “Ferro afia ferro”, como diz o ditado, então se você quer se tornar melhor em alguma coisa, um ótimo primeiro passo é buscar comunidades de entusiastas do assunto. Inclusive quando o assunto é imagem e indumentária.

    Claro que as comunidades não são todas criadas iguais, então aconselho a não se limitar a uma, mas experimentar. Online temos várias opções ótimas em inglês, como os lendários Styleforum e Ask Andy About Clothes. Em português, infelizmente, ainda não temos nenhuma opção tão boa. Mas há opções razoáveis ao menos.

    Então para “subir de nível” mais rápido, fica essa sugestão: encontre algumas comunidades e faça parte delas.

  • Shuhari, ou as três etapas da maestria

    Shuhari, ou as três etapas da maestria

    Este conceito japonês de artes marciais é uma maneira ótima de enxergar as regras/guias da indumentária masculina. Consiste em três etapas pelas quais passamos em qualquer coisa que estamos aprendendo.

    Shu (守): Obedecer

    Se refere a maneira que, no começo de qualquer prática, precisamos de formas, regras, guias, etc. Isso te dá estrutura e evita que cometa erros comuns; você está aprendendo os fundamentos. No começo, todos somos absolutamente perdidos, afinal.

    Ha (破): Desapegar.

    Quando conhecemos mais, podemos começar a improvisar um pouco. Superamos (ao menos em parte) nossa síndrome do impostor. Você não está mais se fantasiando, você realmente se veste desta forma. Sua imagem tem mais naturalidade, e você tem menos medo de arriscar, está gradualmente se desapegando das regras (mas ainda lembra delas pra não cometer gafes).

    Ri (離): Abandonar.

    Quando você tem plena confiança e é dono e sua imagem, você não pensa mais nas regras: elas já estão tão internalizadas que não precisa. E você entende inconscientemente a razão destas, de forma que pode quebrá-las com segurança e ainda assim causar uma ótima impressão. Você atingiu um nível de maestria (dentre muitos).

    E é fácil de ver isso em prática: a maior parte dos homens considerados bem vestidos, estilosos, e outros adjetivos que se referem a sujeitos com boa imagem, quebram algumas regras aqui e ali — mas eles sabem como fazê-lo. Eles não ficam constantemente pensando no quê é “certo ou errado”, eles sabem intuitivamente.

    Um dos exemplos triunfantes disso era “Gianni” Agnelli, o ex-líder da Fiat e considerado um dos homens mais bem vestidos dos tempos modernos. “O advogado”, como era conhecido, costumava quebrar regras constantemente, mas fazia com tamanha naturalidade e maestria que, não só ninguém criticava, mas muitos o imitavam depois.

    É como dizia um cara aí…

    Conheça as regras como um profissional, para que possa quebrá-las como um artista.

    ~ Pablo Picasso