Tem uma frase muito boa pra tudo quanto é coisa na vida, que é a seguinte:
Não existe almoço de graça.
Isso significa que, se algo está sendo dado “de graça”, é só que você não paga agora, ou não paga de forma tão óbvia (com dinheiro). Se parece muito bom pra ser verdade, é porque é.
E dá pra aplicar isso em tudo, até na natureza. Já parou pra pensar no porque tem gente alta e gente baixa? É porque as vantagens que vem com ser alto custam algo. Custam mais recursos (você tem que comer mais pra crescer), custam equilíbrio (seu centro de gravidade é mais distante do chão) entre outras coisas.
Tá, e o quê isso tem a ver com imagem e roupas?
Isso tem a ver com o valor das roupas, ou mais especificamente, o fato que roupas baratas são baratas por uma razão (ou umas), enquanto roupas mais caras trazem valor de diversas formas.
O mais óbvio disso é que roupas baratas tendem a durar menos. Isso por conta dos materiais usados na construção, por conta do processo de fabricação, por conta do controle de qualidade, e até por obsolescência programada (fast fashion não tem esse nome à toa).
Outro lugar onde podemos ver isso, é nas próprias fibras têxteis. Se você compra algo feito de lã, vai pagar mais caro, mas vai ter um tecido que te mantem mais aquecido no frio e refrescado no calor. Mas se pegar algo feito de poliéster, vai pagar mais barato em dinheiro, mas vai pagar caro em desconforto quando usar a roupa.
Em contrapartida, como já falei aqui, valor é relativo: o quê tem alto valor pra um, não tem tanto para outro. Então, se você sair de roupas baratas e for pro mercado de luxo, você vai pagar em grande parte pela própria ideia do luxo. Um costume Armani é bom, mas não tão significativamente melhor em construção e material de algo vindo de uma marca mais acessível. Porém, a ideia da marca tem muito valor pra quem é cliente deles, e o conforto e segurança de que vai ser algo de qualidade também tem valor, e isso se traduz em um custo mais elevado.
Sendo assim, é importante entender o quê tem valor pra você. Conforto? Durabilidade? Tendência? Luxo e status?
“Cara, socorro… Preciso de uma roupa pra um casamento no domingo, e só tenho sábado pra ver isso.”.
Isso era uma quarta-feira, que já era um prazo curtíssimo. Expliquei pra ele que do sábado pro domingo não ia dar tempo de ajustarem a roupa, e que ele tinha que ver isso no máximo até o dia seguinte. Perguntei o orçamento e ele disse que não queria gastar tanto dinheiro. “Bom, rápido, barato: escolha dois”, eu falei pra ele. Ajudei como podia, aconselhei como comprar um costume decente e indiquei algumas lojas.
Mas uma reunião de trabalho surgiu de última hora, e no fim das contas a esposa foi no shopping pra ver o quê conseguia pra ele. Ele teve que se contentar com algo que sabia que não estava bom e que ele mesmo confessou que só ia usar uma vez.
Agora, se tivesse mais tempo, dava pra achar por um valor bem em conta algo bom, Daria pra caçar em alguns brechós e encontrar algo muito bom por um preço razoável. Poderia mandar fazer sob medida também, ou ao menos ajustar o quê fosse comprado. Mas por conta da urgência, ele teve que comprar um costume barato que só vai usar nessa ocasião e que depois nunca mais vai querer vestir. O barato saiu caro, tanto em dinheiro quanto em imagem e conforto.
É importante estar preparado. Isso não significa ter uma roupa pra ocasiões irreais (“esse traje de mergulho é só pra se um dia me convidarem pra ver o Grande Buraco Azul de Belize — nunca se sabe, né?”), mas algumas coisas são essenciais, e um costume é uma destas.
Todo homem deve ter um costume, então não deixe isso pra depois. Se não ou vai ter que comprar na pressa, e aí vai te custar caro, de uma maneira ou de outra.
Como disse anteriormente, evito ser muito prescritivo aqui, mas também tenho a noção de que só ficar filosofando sobre imagem e roupas pode deixar você meio perdido na hora de colocar as coisas em prática. E como grande parte do quê me perguntam é sobre alfaiataria (minha especialidade), especialmente como comprar um costume (calça e casaco feitos do mesmo tecido) para uma ocasião especial, aqui vai o guia mais prático, rápido e condensado que consigo. Sem perder tempo então…
Parte 1: Material e cor
Chegando na loja, você vai pedir pra provar costumes de lã fria apenas. Aqui no Brasil, costuma-se vender estes pela fiação ao invés da gramatura, então eles vão falar em algo como Super120. Quanto mais alto o número, mais fino o tecido.
Essa fiação — Super120 — é justamente a ideal, a não ser que você vá usar em lugares muito frios; aí pode pegar em Super100 ou até Super80; ou caso tenha dinheiro pra comprar costumes novos com maior frequência; aí pode pegar Super130 pra cima.
As suas duas opções de cores são chumbo e azul marinho escuro (nunca preto). Pegue uma cor sólida ou com uma padronagem extremamente discreta. Estas duas cores vão servir em qualquer ocasião fora black tie ou white tie, são discretas o bastante pra ninguém notar que você está usando sempre o mesmo costume, e são as mais versáteis em questão de combinação com camisas, gravatas e sapatos.
Atente também ao forro: se for de viscose ou raión, ótimo. Se for de acetato, tá legal. Poliéster, apenas se não houver nenhuma outra opção. De seda, só se você tiver a grana a disposição de substituir na hora que começar a soltar tinta nas camisas.
Parte 2: Caimento, ou fit
O melhor tecido não vai te ajudar se o costume não estiver bom no seu corpo. Então você vai perguntar ao vendedor se eles tem serviço de ajuste na loja, pois as chances são baixíssimas do costume te servir direto do cabide. Caso não tenham, você vai ou procurar um alfaiate, ou procurar outra loja.
Casaco
A gola do casaco deve “abraçar” a gola da sua camisa, contornando ela suavemente.
Uma gola bem assentada
Não deve nem ficar um vão entre as duas, nem ficar com o tecido amontoado formando uma corcunda. Um pouco (cerca de 1~2cm) da parte de trás da gola da sua camisa deve sair pra cima da gola do casaco. Se uma estiver engolindo a outra, não está bom.
A largura das lapelas deve ser preferencialmente a metade do caminho do decote até os ombros.
Escolha lapelas tradicionais como as ideais acima (“notch” em inglês, ou de entalhe). Outros modelos vão deixar o costume “marcado”: todo mundo vai lembrar que é o mesmo que você usou na outra ocasião.
Os ombros do casaco devem cair na medida dos seus ombros ou passar bem pouquinho (1cm talvez). Se ficar apertado, vai dar pra ver o contorno dos seus ombros quando vestindo o casaco, vai fazer uma dobra abaixo das ombreiras e você mal vai conseguir se mexer. Se ficar largo, vai fazer um monte de dobras do fim do ombro pra manga e você vai parecer uma criança usando a roupa do pai. Isso é quase impossível de ajustar, então se o casaco não servir neste ponto, pegue outro.
Quando abotoado, tórax deve ficar assentado no seu peitoral, sem projetar pra fora — isso significaria que está apertado. Em contrapartida, se estiver fazendo dobras no tecido, está largo. Um pouco largo é ajustável, mas é difícil por estar próximo às mangas. Apertado, é melhor provar outro.
A cintura do casaco deve abotoar confortavelmente, sem formar um “X” de tecido repuxado. Preferivelmente, o abotoamento deve ser próximo da sua cintura natural (mais ou menos a altura do umbigo). Se estiver um pouco largo, pode ser ajustado com certa facilidade. Escolha um modelo de 2 botões, e lembre-se de sempre deixar o de baixo aberto.
Seu casaco deve ter apenas o bolso do peito (pro seu lenço), mais os dois bolsos no quadril, com aletas (as “portinholas” que muitos erroneamente chamam de lapelas). Alguns casacos são vendidos com um bolso extra em cima do direito, ou com bolsos chapa (o quê você vê no traseiro de jeans), mas isso casualiza demais o casaco, então não é bom para um primeiro costume.
O casaco deve cair confortavelmente no quadril, sem repuxar. No traseiro é preferível que tenha duas fendas, mas dificilmente você encontra isso em lojas, então só certifique-se que a fenda traseira não fica aberta quando você está parado (ela abrir um pouco quando você anda ou senta é normal).
As mangas do casaco devem ser um pouco mais curtas que as da sua camisa, deixando cerca de 1,5cm (ou 1 dedo) de punho da camisa à mostra quando você veste o casaco. Esse comprimento quase sempre precisa ser ajustado. Se estiverem marcando sua musculatura, estão apertadas. Se o tecido ficar fazendo dobras quando você está parado, estão largas.
Por último, o comprimento do casaco deve ir até o fim da curva do seu traseiro, ou até uns 3cm acima. Muito mais curto que isso deixa o casaco muito casual. Mais comprido, parece que pegou roupa do seu pai.
Calça
A calça é relativamente mais simples. A primeira coisa que você deve conferir é a cintura. Calças de alfaiataria tradicionalmente são feitas pra se usar na cintura natural, que gera um certo estranhamento pra homens acostumados com cintura baixa. O cós da calça vai ficar logo abaixo do seu umbigo, e a calça deve se sustentar sozinha sem a necessidade de um cinto (ele é mais um suporte e acessório na verdade).
Agora, se você tiver muita barriga, ou se tiver alguma doença que gera desconforto abdominal (como doença de Crohn ou colite), ou se for baixinho e quiser compensar um pouco, pode pedir pra tirar os passantes de cinto e colocar botões internos pra suspensórios. Recomendo muito isso se você se encaixa nos dois primeiros casos. Mas use apenas suspensórios de botão.
Confira se os bolsos laterais não estão ficando como “orelhas de abano” e se não está fazendo o “bigode de gato” na virilha. Se estiver, a calça está justa no quadril. Também confira se não está acumulando tecido no fim da bunda, parecendo uma fralda. Se estiver, significa que está larga atrás. Isso tudo pode ser ajustado até certo ponto, mas via de regra, é mais fácil encolher algo que alargar.
Ande um pouco, levante as pernas, e sente para ver se não aperta muito nas coxas e joelhos, nem puxa no gancho (ou cavalo). É normal a calça oferecer alguma resistência quando você senta ou levanta uma perna, mas se isso tá virando praticamente um treino de academia, está apertada.
O comprimento da calça é a última coisa. Ela deve fazer uma leve dobra sobre seus sapato. Se você for baixinho e quiser, pode até dispensar essa dobra pra ganhar alguns centímetros visuais. Barra italiana é fortemente recomendada para quem for alto, opcional pra quem tiver estatura média, e não recomendável pra quem for mais baixo (a não ser que seja uma barra mais fina).
Parte 3: O quê vai junto com o costume
Camisa
A camisa básica deve ser branca ou azul claro, em cor sólida, 100% algodão — fio 80 é a opção segura, 100 e 120 são mais confortáveis no calor, mas dá mais trabalho pra passar — sem bolso no peito (casual demais), com um colarinho sem botões e de abertura média (nem muito aberto, nem muito fechado, vai formar um ângulo de por volta de 45°), e com punhos simples (deixe abotoaduras pra mais tarde).
Certifique-se que a gola da camisa tem espaço pra você colocar um dedo entre ela e o seu pescoço, ou ao longo do dia vestindo você vai começar a se sentir enforcado.
O tórax deve te deixar movimentar os braços sem oferecer resistência demais, enquanto os ombros da camisa casam com os seus ombros. O punho dela deve ir até o seu osso do dedão.
Preste muita atenção na cintura, especialmente se você for magro. Se a camisa estiver com tecido sobrando que parece um balão, procure outro modelo (preferivelmente sem pregas nas costas), ou mande ajustar e fazer pences. Se você tiver mais barriga, pregas nas costas geralmente geram mais volume pra não ficar apertada, e certifique-se que os botões não estão estourando pra fora.
Por último, a camisa obviamente deve ser comprida o bastante pra ser colocada pra dentro da calça. E não use a camisa pra fora da calça, pelo seu próprio bem.
Gravata e lenço de bolso
Busque uma gravata proporcional a você: se você for mais magro, uma gravata mais fina, e vice-versa se for mais largo. Na dúvida, veja a largura da lapela do seu casaco: isso é a largura ideal da sua gravata.
Prefira tecidos de seda, em cores sólidas ou padronagens discretas. Pegue algo em bordô, azul escuro, roxo escuro, ou verde garrafa. Aprenda a fazer um nó four in hand (evite o Windsor) e deixe uma covinha na gravata sempre. O comprimento dela pronta deve ir até a altura do cós da sua calça ou alguns milímetros abaixo. Um prendedor de gravata no mesmo metal que usar pro seu relógio (combine seus metais) é muito recomendado.
Use um lenço de bolso de outro tecido que não o da gravata. A opção segura é algodão ou linho branco, dobrado em um retângulo simples pra ficar cerca de 1 dedo pra fora do bolso.
Sapatos
Oxfords cap toe são a escolha mais segura, com Monk Straps sendo a alternativa aceitável. Sem bico quadrado e sem pontas exageradas. A Louie costuma ter ótimas opções e posso recomendar pessoalmente, mas se estiver além do seu orçamento, use apenas de referência de bom design.
Se escolheu um costume chumbo, sapatos pretos vão ficar melhor, se escolheu marinho, tanto pretos quanto marrons ficam igualmente bons. Escolhendo os sapatos, combine seus couros (cinto/couro dos suspensórios e relógio na mesma cor dos sapatos).
Por último, compre um par de meias da cor do seu costume.
Conclusão
Tem muito mais coisa a ser dita sobre o assunto, mas informação demais provavelmente vai acabar te confundindo ao invés de ajudando, então por enquanto, siga estas recomendações e dificilmente vai errar.
Evito ser muito prescritivo, como já falei antes aqui. Mas tem algumas coisas que são tão universais e importantes, que não tem muito como evitar. E uma delas é o seguinte conselho:
Se você não está recebendo pra fazer propaganda de uma marca, não use o logo dela.
A exceção disso são alguns calçados, onde o logo tende a ser incorporado de forma mais orgânica no design¹, ou logos bem pequenos e discretos, como o bordado em uma polo da Ralph Lauren. E mesmo nisso é melhor ser cauteloso.
Mas quando falamos de calças, camisetas, jaquetas, cintos, etc, usar logos só mostra duas coisas:
Você é uma vítima da moda.
Você não tem personalidade própria.
Soa cruel, mas é real. É como o resto do mundo enxerga o camarada com um cinto gritando Gucci, ou o outro com uma camiseta com o logo da Adidas. Aposto que você não tem nenhum contrato com a Nike, então você está, literalmente, pagando pra fazer propaganda dela quando sai com a jaqueta com o logo nas costas.
Deveria ser o contrário, né? Geralmente recebemos pra fazer publicidade.
Em contrapartida, se você pegar fotos de ícones de estilo masculinos, vai ver uma ausência absoluta (ou quase) de logos. Eles estão vestindo as roupas, não o contrário. Você vê o homem, não a marca que ele usa.
Pare de trabalhar de graça pra grandes marcas. Eles já tem um departamento de marketing bem grande pra isso. Faça propaganda de você mesmo.
¹ Por exemplo, um Chuck Taylor’s All Star ─ o nome oficial do Converse de cano alto ─ sem a estrela na lateral fica um pouco estranho.
Continuando ainda sobre brechós, vou falar de mais um ponto positivo sobre comprar neles: a redução de poluição.
A produção de tecidos e de roupas é algo muito poluente, (tem alguns documentários sobre o assunto se você quiser ver, como River Blue, que dá pra assistir online). Mas sendo realista, a verdade é que não vamos parar de nos vestir (foi mal nudistas, mas o resto do mundo não vai aderir).
Seres humanos gostam — e sempre gostaram — muito de se enfeitar. Se quer uma prova, é só escolher qualquer tribo de caçadores-coletores numa região bem quente do planeta, como nas savanas africanas, ou na Melanésia, ou mesmo aqui na própria América do Sul. É quente demais pra ficar usando roupas? Então a gente se enche de acessórios¹ pra compensar! ¹Um dos mais curiosos sendo o koteka. Pesquise por conta e risco, e depois agradeça não ter nascido em certos lugares…
Então, mesmo que tudo esteja perfeitamente climatizado e que não tenhamos mais nenhum pudor, nós ainda vamos querer nos enfeitar e nos comunicar com a nossa imagem. Sendo assim, comprar menos roupas novas é uma alternativa pra pelo menos reduzir o impacto negativo no meio ambiente.
Por sorte, estamos numa época em que brechós são mais populares que nunca, então achar um decente tá bem fácil. Se você mora em alguma metrópole, é só procurar bem rápido na internet que vai encontrar alguns pra visitar. Se não mora, muitas igrejas, centros espíritas e outras organizações religiosas promovem bazares para arrecadar fundos. E em último caso, você pode procurar na internet. Existem brechós virtuais que você acha pelo Instagram ou Facebook, assim como sites dedicados a isto, o mais famoso sendo provavelmente o Enjoei.